
Fui acometido por um devaneio, um insight daquele tipo que rouba o sono, ou melhor, captura o sonho, digo isso porque no excêntrico mundo das ideias para que emane o que chamamos de inspiração é preciso muitas vezes subitamente perder o sono para arrebatar por completo um sonho antes que esse nos escorra por entre os dedos, e nesse caso, não se trata de uma referência aos planos vindouros, mas a ideias que até pouco tempo eu cria serem frutos da quimera aleatória, e na verdade são apenas sonhos que vazam.
O sonho pode ser enxergado como o acúmulo de informações captadas durante o dia e processadas de forma aleatória e não cronológica numa fração de tempo ilusória completamente diferente da noção que possuímos enquanto acordados. Para a religião quase sempre um canal de revelações, premonições, uma espécie de expansão da consciência, para Freud um manifesto de sentimentos incrustados geralmente relacionados à sexualidade, para Jung algo como uma espécie de voz da psique numa busca por medidas de compensação.
O que na verdade ocorre é que de tempos em tempos acordo durante a madrugada completamente desprovido de sono e não menos inspirado a compor, escrever, ler ou simplesmente materializar ideias que custaram a surgir quando mais preciso delas. Ainda não entendo porque insistem em surgir durante a noite e de forma tão esporádica sem qualquer compromisso com meus planos, até por isso hesito em chamar “meu” subconsciente de meu, pra mim ele é o subconsciente que habita em mim, que por acaso ou por desígnio Divino fez morada em minha mente e não tem o menor compromisso com o inquilino.
Algo que me consola durante minha reflexão sobre a aleatoriedade da inspiração é que no fim das contas ela nunca me deixa na mão, as canções surgem exatamente quando devem, as ideias parecem se apresentar aos quarenta e sete minutos do segundo tempo, mas tudo isso indiferente aos meus planos, para minha sorte. O curioso nesse caso é que é muito comum que as ideias me alcancem através de sonhos e acabo acordando quase instantaneamente completamente lúcido e antenado, como que providência para evitar que eu as perca.
Tenho me permitido pensar que não só os sonhos, mas as ideias são inspiradas não só pelo que vivemos, mas pelo que somos, e se os olhos são mesmo a janela da alma, certamente os sonhos são sua válvula de escape, onde, ao contrário das válvulas convencionais, aquilo que por ali escapa é de proveito equivalente ao que se retém, me levando a crer que a inspiração nada mais é que uma fenda na alma por onde os sonhos escapam exalando a essência de quem quer que se permita, ou não.
Renato Santana.