terça-feira, 22 de julho de 2014

O justo dos sonos

O ventilador de teto emite o único ruído a preencher o ambiente. Meu organismo ainda processa o excesso de informações de um domingo atípico. Ao meu lado, virada para o lado de costume, ela dorme com uma elegância espontânea pouco comum, parece controlar a freqüência respiratória.
Minha mente parece não querer colaborar com meu organismo, o colchão e o travesseiro nem de longe são dos mais convidativos, a música derradeira a tocar em meu playlist ainda ecoa freneticamente em minha cabeça. Preciso rever isso.

Lá fora, como de costume, só a vizinha da janela do prédio ao lado, sempre pouco simpática, fecha a cortina como quem quer deixar bem claro que meu rabo de olho jamais seria bem-vindo. Tudo bem, a persiana é a serventia da casa.

Folhear os livros acadêmicos, os técnicos, os romances, os de filosofia, de teologia, a essa hora não costuma funcionar, o ócio não costuma convidar a absorver, prefere expelir.

Minhas orações são por demais confusas, dúbias, relapsas, começam cheias de devoção e desembocam em reflexões sobre o cotidiano. Deixo pra lá. Deus me conhece demais pra esperar outra coisa de mim, duvido que se decepcione.

Se amanhã cedo eu despertar com ânimo pra ser o eu mais agradavelmente genuíno, sorte de todos nós, caso não, me perdoe, não se sinta obrigado a ser gentil, acho digno ser ignorado, quiçá respeitoso, afinal, é rigoroso demais exigir de alguém que não teve o sono dos justos um sorriso matinal.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Em memória dos meus.

Hoje o coração dá lugar ao vazio
Não vazio de dor
Nem de ser
É que cada vez que não somos capazes
Nossos corações nos deixam às lagrimas
Nos deixam a sós
E não há neste mundo alma capaz de enfrentar o vazio
Ou algo capaz de ocupar esse espaço
Cada pedaço de nós se espalha ao redor
E, mesmo de longe, quando dói, dói aqui
Onde houvera um coração.

Cá entre nós.

Redefini meus caminhos balizado nos teus
Podia optar pela perfeição ou pelo nada
Preferi transcender
Onde já se viu amor sem entrega?
Cá entre nós não há nada
Nossas peles se completam
Teu sorriso me desmonta
Bem eu, que sou dado a explicação, a lógica
Me vi sem argumentos perante a vida
Mergulhei
Sempre cortejei teus encantos
Bebi
Embriaguei-me por teu cheiro
Viciei-me em teu cabelo
Te observo quando devaneias
Me entrego
E quando te tenho em meus braços
Mesmo livre, sou prisioneiro em ti
E vi que era bom
Me rendi

Alívio e prazer.

Por persistência, hoje consegui sintetizar em apenas duas palavras impressões que me perseguem nos detalhes sutis que me fazem companhia nos dias mais introspectivos. Gostaria de me dedicar a um profundo mergulho no universo sensorial, mas para não correr o risco de nadar em águas desconhecidas, mergulhar em mares que não domino, resumo minha percepção sobre a implacável alquimia existencial em duas palavras: alívio e prazer.

Ao averiguar o baú dos meus mais curiosos e memoráveis momentos de gozo, não consigo, nenhuma vez sequer, encontrar, nem que vagas, memórias de prazeres que não tenham sido precedidos de alguma espécie de tensão. Desde os mais psicológicos aos mais fisiológicos, dos mais sofisticados até os mais primitivos, dos mais intensos aos mais superficiais, todos os prazeres estão ligados quase que invariavelmente ao alívio.

É de uma nobreza tão crua da parte do Criador estabelecer tal ligação intrínseca entre sensações tão aparentemente antagônicas, que constatar sua interdependência eleva o prazer ao universo do sagrado, em contraposição ao estigma moral a ele atribuído no decorrer da história da civilização ocidental.

Não é difícil avaliar a veracidade dessa conclusão. Pra começar com o que seria primordial, as necessidades fisiológicas, todas elas proporcionam prazer mediante êxito, resultado de uma tensão aliviada. A bexiga esvaziada, o intestino após cumprir seu papel no processo digestivo, a genitália tencionada pela super-irrigação-sangüínea provocada pela excitação sexual. Todos agradecem ao alívio, nos retribuindo com prazer.

O mesmo fenômeno se constata em diversas possibilidades do cotidiano. Só há prazer profundo numa partida cujo resultado tenha sido fruto de uma disputa épica, só há glória numa conquista suada, caso contrário, é farra, deleite e exacerbo, não júbilo.

O prazer depende do alívio pelo mesmo motivo que o belo depende do feio, pela mesma razão que o sofisticado depende do cafona. Tudo, digo, tudo, depende de padrões referenciais para ser mensurado. Desde o mito da caverna até a teoria do caos estamos sempre falando de extremos, de picos, e com o prazer não é diferente.

Viva a dor, viva a angústia, viva a tensão. Viva o alívio, viva o prazer.

domingo, 18 de maio de 2014

O nome do silêncio

O sobrenome ideal para o anseio da vez em meus dias de esperança é observação, porque o nome que carrego como símbolo maior no tempo presente é conteúdo, e a descoberta de sua importância deflagra em mim uma atividade sísmica sem precedentes.
Não há por aqui (minha mente) espaço para confabulações superficiais, conjecturas rasas, proliferações não investigadas, não há em meu espaço mental lugar para aquilo que caiba perfeitamente dentro da caixa, nem tenho estímulo pelo maravilhoso e confortável mundo do lugar comum.
Não me entenda mal, juro, não é arrogância de minha parte, é até uma constatação tardia, e que, por mais que todos afirmem, de alguma forma, concordar com tal conclusão, raramente celebram essa obviedade em suas rotinas.
Fenômenos como as mídias e redes sociais trazem à tona aquilo que de mais sombrio existe na sociedade. Sua hipocrisia. De tempos para cá descobri que ser hipócrita macula a alma, não é um mal ao outro, é a si mesmo, um veneno moral difícil de remediar, um suicídio existencial a conta-gotas.
Recentemente tive uma preciosa oportunidade de assistir uma aula de metodologia da pesquisa, ministrada por uma antropóloga, que não deixava nenhuma brecha para falácias populares ou afirmações sem referências, chegava a ser rude com determinados alunos superficialmente pretensiosos. Aquela postura, por alguns entendida como arrogante, semeou naquela turma uma verdadeira casta de pulgas, daquele tipo que faz morada atrás da orelha, e que existe basicamente para nos lembrar que as coisas nunca são somente aquilo que vemos, ou pior, que achamos que vemos, e que não há espaço para achar no universo da relevância, da produtividade.
Estou certo de que, caso não hajam convicções alicerçadas no experimento e no conhecimento profundo de causa, não há porque abrir minha boca, portal resguardado do meu coração, lugar onde habitam os mais indigestos pensamentos meus, lugar que devo guardar como se guarda a honra.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Então parti para longe do lugar comum
Remido pela consciência transgredida
Não há deleite na jornada rumo ao âmago
Desnuda-se um ímpeto melancólico
Uma fleuma repleta de cólera
Um ser abominavelmente afável

Hoje descobri um pouco menos sobre mim
Menos do que ontem
As certezas não encontram brechas por aqui
Nem as raras convicções estão dispostas a submergir
Volatilizei-me de fora para dentro imerso no caos urbano
Regado a ouro negro e walk On
Senti que nem sei do presente
Dirá do onisciente
Sei mais sobre dúvidas
Elas me guiam na direção do que é justo
Porque certezas são genocídios
Dúvidas são gestações.