terça-feira, 17 de agosto de 2010

Sonhos que vazam.



Fui acometido por um devaneio, um insight daquele tipo que rouba o sono, ou melhor, captura o sonho, digo isso porque no excêntrico mundo das ideias para que emane o que chamamos de inspiração é preciso muitas vezes subitamente perder o sono para arrebatar por completo um sonho antes que esse nos escorra por entre os dedos, e nesse caso, não se trata de uma referência aos planos vindouros, mas a ideias que até pouco tempo eu cria serem frutos da quimera aleatória, e na verdade são apenas sonhos que vazam.

O sonho pode ser enxergado como o acúmulo de informações captadas durante o dia e processadas de forma aleatória e não cronológica numa fração de tempo ilusória completamente diferente da noção que possuímos enquanto acordados. Para a religião quase sempre um canal de revelações, premonições, uma espécie de expansão da consciência, para Freud um manifesto de sentimentos incrustados geralmente relacionados à sexualidade, para Jung algo como uma espécie de voz da psique numa busca por medidas de compensação.

O que na verdade ocorre é que de tempos em tempos acordo durante a madrugada completamente desprovido de sono e não menos inspirado a compor, escrever, ler ou simplesmente materializar ideias que custaram a surgir quando mais preciso delas. Ainda não entendo porque insistem em surgir durante a noite e de forma tão esporádica sem qualquer compromisso com meus planos, até por isso hesito em chamar “meu” subconsciente de meu, pra mim ele é o subconsciente que habita em mim, que por acaso ou por desígnio Divino fez morada em minha mente e não tem o menor compromisso com o inquilino.

Algo que me consola durante minha reflexão sobre a aleatoriedade da inspiração é que no fim das contas ela nunca me deixa na mão, as canções surgem exatamente quando devem, as ideias parecem se apresentar aos quarenta e sete minutos do segundo tempo, mas tudo isso indiferente aos meus planos, para minha sorte. O curioso nesse caso é que é muito comum que as ideias me alcancem através de sonhos e acabo acordando quase instantaneamente completamente lúcido e antenado, como que providência para evitar que eu as perca.

Tenho me permitido pensar que não só os sonhos, mas as ideias são inspiradas não só pelo que vivemos, mas pelo que somos, e se os olhos são mesmo a janela da alma, certamente os sonhos são sua válvula de escape, onde, ao contrário das válvulas convencionais, aquilo que por ali escapa é de proveito equivalente ao que se retém, me levando a crer que a inspiração nada mais é que uma fenda na alma por onde os sonhos escapam exalando a essência de quem quer que se permita, ou não.

Renato Santana.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O processo e o desfecho.

Foto por: Renato Santana Santos.

Tenho sido movido a enxergar as coisas por outro espectro, o processo ao qual eu me submeti nos últimos anos é certamente o fator mais influente nesse esquema de transformação intrínseca. Nesse caminho todo tenho descoberto o prazer da metamorfose, na eterna expectativa de me tornar alguém melhor vou descobrindo que ainda estou bem distante do idealizado, mas percebo mais relevância no processo que no desfecho, além de aos poucos descobrir o prazer de ser cada dia um pouco diferente de ontem, o prazer da historia consiste em reconhecer defeitos e ao olhar pra ontem visualizar pequenas e importantes transformações.

A paisagem vai passando e de repente se descobre que antes do destino existe muito com o que se alegrar, como aquelas viagens sem pressa, sem hora marcada, onde as paradas e as comidas degustadas são elementos de enriquecimento do passeio, a paisagem enche os olhos tanto pela beleza da criação quanto pelas figuras peculiares, de etnias distintas, de sotaques e culturas totalmente diferentes, onde a conversa jogada fora na verdade merece ser guardada na memória e no coração, é nessas viagens que as pessoas se sentem um pouco mais próximas. Lembro-me que a viagem da hibernia a Conquista pra finalizar a masterização do disco “A vida como ela era” foi crucial para o estágio de cumplicidade que vivemos hoje, nossa aproximação tão processual e lenta quanto a efetivação de leis significantes em nosso país e não menos importante que a musica que fazemos sofreu um considerável avanço durante algumas longas horas naquele Uninho branco e pacato.

Admitir mudanças pra algumas pessoas é muitas vezes um martírio, como se fosse vergonhoso passar por esse processo tão natural e inevitável quanto à morte, na verdade pessoas que não admitem mudanças estão sempre mudando pra pior, e é isso que tenho evitado em minha vida, não almejo ser alguém inconstante, nem tão pouco vulnerável, mas também não quero ser alguém sistematicamente apático, pragmático, apoiado na falsa ilusão de que é belo ser imutável, ou pior, que é possível ser imutável, as pessoas guardam opiniões como se fosse um patrimônio intocável, e mantém costumes arcaicos herdados ou adquiridos com um zelo que merecia ser direcionado a outros fins.

A grande verdade é que tenho sido movido pelo agora e não pelo porvir, e não se trata de inconsequência, é uma questão de saúde mental e espiritual, pois não adianta fazer grandes planos e viver mediocremente o momento, nesse caso, espero mesmo que dessa forma eu possa construir um futuro interessante, onde os processos não percam o valor, e que nesse futuro o presente seja o que interessa e que as memórias tragam-me boas lembranças de um passado vivido no presente.


Renato Santana.